A literatura marginal de Wesley Barbosa

Por Alba Atróz
A obra do jovem autor Wesley Barbosa.

O senso apurado, desenvolvido durante anos de estudos literários, permite-me atestar as nuances de uma obra. Como resenhista vejo-me na mesma posição de um crítico gastronômico que, após degustar os pratos de um bom restaurante e lhe dar algumas estrelas de mérito, reporta a todos que vale a pena frequentar tal lugar. Então, como um “chef de literatura” viso agora sugerir visitarem a obra “O Diabo na Mesa dos Fundos”, do jovem autor Wesley Barbosa.

A usura, a ganância, o corromper-se numa adesão ao capitalismo selvagem, oprimindo sob máscaras da coita, encobertando inescrupulosamente um cinismo, afligindo a generosidade intrínseca na espiritualidade do outro, esmagando a amizade, o carisma alheio, numa sociopatia, contra a amorosidade oferecida, é o que se percebe no conto de abertura: “Parada para o Almoço”.

A obra já vai ganhando relevância por já nos deixar em estado de choque entregando-nos em seguida à jogatina, à esperteza, à trapaça, às apostas, ao vício e vamos, assim, afoitos, deixando-nos enganar, pensando numa pseudo possibilidade de vencer honestamente ou ser mais esperto que “O bom malandro”, aquele sujeito que grita pelo centro da metrópole, com mensagens chamativas visando atrair o próximo ingênuo ou tolo.

Até aqui experimentamos os pratos com pitadas de ironias com um molhinho de intertextualidades e referências a alfarrábios literários enquanto nos ludibriamos com a sagacidade com que o autor descreve as cenas, desvelando as agruras da vida. Como no caso da “lavadeira Maria”, mulher que não se rende, resiste à prostituição numa luta consigo mesma e com o sistema para criar os filhos com dignidade. Suas expressões são de dor e angústia, uma personagem comandada pela fé.

Na ânsia pelo que nos espera adiante, tomados pela forte emoção pela qual fomos acometidos em páginas anteriores, somos convocados a também ouvir a “voz” que ecoou e ecoa das profundezas da alma de Wesley, incentivando-o ao saber, levando-o a aventuras ou epopeias catárticas, num mundo mitológico de personagens mágicos que o liberta das cobranças sociais e familiares — experiências que ele faz questão de compartilhar um pouco conosco antes de nos fazer bater na porta de “Madalena” e sentir como é não ser o único homem dela. Antes de ver que o amante nunca poderá ter de todo aquela que pertence a todos, pois assim determina as regras da prostituição que enlaça a amante que, por sua vez, aceita os mimos do apaixonado, pois sabe do quanto é importante ter alguém amando-a de verdade.

Wesley Barbosa, autor Do Livro O Diabo Na Mesa Dos Fundos, publicado pela editora Selo Povo.

E depois recebemos uma aparição e adentramos o mistério, o misticismo, da incrível lenda urbana, quando nos envolvemos na louca “bebedeira de Carlos”. E uma cerveja some em seguida, e temos a sorte tirada numa moeda arremessada ao ar por “Fal”, o justiceiro, que, intolerante, não suporta lamúrias e bate boca perto dele — por isso tem sua própria maneira de decidir quem merece viver ou não. Ainda, por sorte, vivo, mas traumatizado pelos destinos de alguns personagens, o leitor ouve os conselhos da “Nega Fulô”.

Desabafos de quem já se viu na mesma condição das jovens aliciadas, justificativas de luta e resistência, opressões e tristezas, toda uma problemática, mas, com diz não poder fazer mais nada pelas meninas que estão na mesma condição que um dia ela esteve, lava as mãos, infelizmente, caso elas queiram prosseguir na prostituição que a fez a dona poderosa que agora emprega as aflições análogas à sua história. Enfim, há a descoberta da sexualidade na puberdade, a falta de compreensão durante o amadurecimento e transformações corporais na busca da aceitação perante o grupo, sob baixa auto estima e toda uma problemática que uma adolescente passa e aparecem no conto “Menstruada”.

E na briga dos primos nos envolvemos — percebemos a ficha cair quando uma tragédia desperta o profundo sentimento de amor e consideração que estava preso na masmorra da tolice. Queremos então comer o bolo de fubá de uma “mãe de santo”, difamada pela vizinhança que não entende a diversidade cultural e vê a mulher como estranha, como uma bruxa de contos de fadas, alguém com maldade, e não como alguém que tem sua fé e está pronta a acolher um garoto que pulou em seu quintal para pegar a bola que lá caiu.

Na labuta dos contos de Wesley, compadecemos pelos retirantes, ouvimos as lamúrias e todos os conflitos presentes na miséria de quem deixa sua terra e tenta a vida na cidade — do homem de falas machistas, num monólogo cheio de reclamações, que percebe que o único bem que tem e que lhe resta é sua mulher que o faz calar-se. Somos apresentados à primeira amante.

Uma jovem no início da adolescência, mas já com as malícias de uma adulta, entrando em cena para despertar no ingênuo menino as delícias do sexo. E queremos o relacionamento familiar nos ensinamentos filosóficos de “Tio Lúcio” que, sob desconfiança de todos por beber, principalmente do irmão, ensina o sobrinho a atravessar as “pontes da vida” enquanto saem para pescar. E a difícil fase do leito de hospital como um momento marcante entre vó e neto que traz muitas lembranças saudosas e potencializa os laços que os envolvem. Como os escritores criaram Wesley.

Em quantas labutas ele já se envolveu e quantas injustiças. As descobertas da rua como um espaço da diversão e não da violência. A fuga do lar pra estar com os colegas. A fase como bibliotecário, os causos amorosos num espaço onde os livros imperam. E os grupos de operários e seus conflitos Boa leitura — ou bom apetite — a todos que quiserem frequentar o lugar para saborear sob o julgo de subempregos e luta para manter-se numa sociedade cheia de amarras e situações aflitivas. Vale a pena ler e provar deste prato de Wesley Barbosa que traz ao espírito uma sensação de saudade e esperança além de um veemente, é claro, prazer literário advindo de sua louvável obra. suas delícias — algumas de temperos bem fortes — contadas com muito requinte.

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