Redução de velocidade: os carrocratas e seus subterfúgios pseudotécnios

Em artigo, a urbanista Meli Malatesta defende a proposta de redução de velocidade do tráfego na cidade de São Paulo. A autora apóia-se em sua experiência de 35 anos na CET/SP e no conhecimento internacional sobre a relação entre velocidade e mortes no trânsito.

"A medida gerou nova polêmica, protestos e opiniões 'abalizadas' de especialistas no assunto."
“A medida gerou nova polêmica, protestos e opiniões ‘abalizadas’ de especialistas no assunto.”

A grande imprensa têm publicado sistematicamente várias matérias questionando algums medidas impopulares entre os “carrodependentes” adotadas pela prefeitura de São Paulo: o resgate dos espaços públicos, anteriormente dedicados exclusivamente aos veículos individuais motorizados, que passaram a beneficiar um número maior de pessoas. Cito alguns exemplos: faixas exclusivas de ônibus; ciclovias; parklets e a ocupação de espaços públicos emblemáticos para lazer aos sábados e domingos, destacando a Av. Paulista e o Elevado Costa e Silva.

Com receio de “sair do armário” e assumir o vício e posição política, carrocratas arrumam subterfúgios pseudotécnicos para questionar a validade destas ações, chegando a apontá-las como responsáveis pela ocorrência de aspectos nocivos que também fazem parte da realidade paulistana como, por exemplo, o aumento do número de atropelamentos no ano de 2014.

Outro programa que também irritou sobremaneira esta parcela da sociedade que não consegue ver o mundo para além de seus vidros filmados foi a mais coerente ação para interromper a escalada de mortes no trânsito: redução das velocidades máximas regulamentadas para as vias onde mais ocorreram atropelamentos.

A medida gerou nova polêmica, protestos e opiniões “abalizadas” de especialistas no assunto. Ora, até as pedras sobre as quais pisam os engenheiros de tráfego sabem que manuais de segurança de tráfego, usados como referência no assunto, apontam como medida prioritária a redução da velocidade para se conseguir a redução do número de atropelamentos. Não dá para entender o motivo de tanta resistência quando isso é colocado em prática.

A “Curva de Ashton” data de 1992 e até hoje é utilizada mundialmente pelos departamentos de trânsito, profissionais e estudiosos do assunto. Trata-se de um gráfico amplamente conhecido e que relaciona a velocidade veicular à ocorrência de óbito:

CURVA

Mesmo cientes da relação Velocidade x Óbitos, continua a prelavecer na grande mídia e em parte do meio técnico uma perigosa miopia leviana que desvia uma avaliação rigorosa sobre o assunto minimizando a importância da preservar de vidas a uma mera questão política.

Mas nem tudo está perdido, os principais interessados, os usuários das vias, já descobriram os benefícios que essas medidas têm gerado para sua viagens cotidianas e delas desfrutam com cada vez mais confiança. Eu mesma, como usuária frequente de ônibus, ouvi com satisfação uma conversa entre motorista e cobrador::

– Tem motorista que corre porque diz que cumpre ordem de fiscal, mas eu não, eu não corro, não estou nem aí pro fiscal, eu penso é nos passageiros, afinal eu levo gente, não levo areia e nem tijolo…

*MELI MALATESTA (Maria Ermelina Brosch Malatesta) é responsável pelo blog “Pé de Igualdade” no portal Mobilize Brasil (www.mobilize.org.br). É arquiteta e urbanista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrado e doutorado pela FAU USP. Trabalhou durante 35 anos na CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo em projetos de mobilidade não-motorizada, a pé e de bicicleta. Atualmente, ministra palestras e cursos de especialização em mobilidade não-motorizada além de atuar como consultora em políticas, planos e projetos voltados a pedestres e ciclistas. 

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