“Não existe tratamento mágico contra o câncer”, afirma oncologista

Na opinião do Dr. Não é prudente que esta substância continue sendo distribuída sem os devidos testes científicos.
Na opinião do Dr. Tobias Botrel, não é prudente que esta substância continue sendo distribuída sem os devidos testes científicos.

A fosfoetanolamina tem sido reivindicada por muitos pacientes que acreditam que esta substância tem o poder de curar o câncer. Mas o assunto tem gerado polêmica, uma vez que a droga ainda não foi testada cientificamente em seres humanos e não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Inicialmente, a fosfoetanolamina foi distribuída de forma irregular por um pesquisador do Instituto de Química da USP de São Carlos. Porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) proibiu a distribuição da substância alegando que não há provas científicas de que ela seja eficaz no combate à doenças. A droga havia sido testada em ratos e tinha obtido resultados antitumorais satisfatórios, porém, não passou pelos testes em humanos, assim como exigido pela legislação brasileira. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a decisão, concedendo liminares que dão o direito a pacientes com câncer a terem acesso ao princípio ativo.

Diante desse fato, a USP divulgou um comunicado alegando que a fosfoetanolamina não é remédio e que foi estudada como produto químico, não tendo sido realizado nenhum teste em seres vivos, “muito menos estudos clínicos em humanos”.  Além disso, afirmou ainda que a universidade não é uma indústria química ou farmacêutica para produzir a substância em larga escala para atender ao grande número de liminares judiciais que tem recebido.

Em entrevista, o oncologista clínico e diretor do Centro Integrado de Pesquisa e Oncologia (CIOP) de Poços de Caldas/MG, Dr. Tobias Engel Ayer Botrel, enfatiza a necessidade de mais testes científicos antes de uma possível liberação da droga. O oncologista atualmente é responsável técnico pela UNACON de Poços de Caldas, consultor de Medicina Baseada em Evidências, coordenador do Serviço de Oncologia do Hospital Universitário Alzira Velano – HUAV e membro do Comitê Brasileiro de Estudos em Uro-Oncologia (CoBEU).  É graduado em Medicina Humana pela Universidade José do Rosário Vellano, onde também realizou residência médica em Clínica Médica. Possui também residência médica em Oncologia pela Universidade Pontifícia Católica de Campinas.

O que pode ser feito daqui pra frente, uma vez que há centenas de pessoas utilizando a droga?

Não é prudente que esta substância continue sendo distribuída sem os devidos testes científicos. Ainda não há comprovação de sua eficácia ou, ainda, uma garantia de que seu uso é seguro em seres humanos.  Infelizmente ainda há quem acredite que instituições sérias teriam a cura do câncer e não a disponibilizariam para continuar lucrando com a venda de medicamentos. Porém, não podemos fugir dos protocolos científicos e nem passarmos por cima de um órgão sério como a ANVISA. Ela tem funcionários altamente capacitados que estão tentando fazer as coisas como elas devem ser feitas. Portanto, emitir liminares é tirar sua autoridade como órgão máximo sanitário brasileiro. Toda essa cautela é necessária se pensarmos que a cada dia surgem novas ‘promessas’ para a cura do câncer, como um dia já foi falado da graviola, do cogumelo do sol, do aveloz, da babosa e assim por diante.

Como  você acha que o governo deve agir?

Acredito que devemos aproveitar a repercussão deste assunto para propor um debate construtivo sobre o desenvolvimento de fármacos no Brasil. Ainda hoje no Brasil os investimentos em estudos são muito pequenos e fazer pesquisa clínica no nosso país ainda é muito burocrático. Existe um projeto de Lei que visa justamente simplificar a aprovação de pesquisas no Brasil, o Projeto Lei  200, do Senado. Se fosse aprovado, questões como essa seriam resolvidas em menos tempo e avançaríamos no desenvolvimento de novos tratamentos.

Como você vê a atitude dos pesquisadores do Instituto de Química da USP de São Carlos, ao distribuírem esta substância?

O problema é que a substância não foi suficientemente testada. Portanto, não poderia ser distribuída, pois, além de não ser seguro, dá falsas esperanças aos pacientes e seus familiares, que se encontram numa situação vulnerável, propícia a aceitar este tipo de promessa. Devemos ressaltar também que existem vários tipos de cânceres e o tratamento para cada estágio da doença pode variar, portanto, mesmo que esta droga possua alguma eficácia, não vai funcionar do mesmo jeito para qualquer indivíduo. Mas o que vemos é que as pessoas estão utilizando a fosfoetanolamina como se ela fosse uma pílula mágica.

Como são os testes para o desenvolvimento de novos medicamentos?

Em seres humanos, são avaliados primeiramente a farmacocinética e a farmacodinâmica do produto, porque nosso DNA não é exatamente igual ao do animal. Desta maneira os mesmo testes realizados em animais são repetidos em seres humanos e são avaliadas as reações e o metabolismo do medicamento no organismo (FASE I). Se passar para fase seguinte, será verificado se a substância funciona para determinada doença (FASE II) e se ela é realmente segura. Se tudo correr bem até aqui, o próximo passo é comparar o remédio ao tratamento padrão existente (FASE III). Normalmente os pacientes são divididos em dois grupos, um que recebe o tratamento convencional e outro que recebe a nova medicação. Caso aprovado, serão realizados estudos posteriores para acompanhar seus efeitos a longo prazo.

Se um paciente pede para utilizar o remédio, qual sua posição?

Eu digo que é totalmente compreensível que ele esteja procurando maneiras alternativas para se tratar/curar, mas que é preciso cuidado, pois “nem tudo que reluz é ouro”. A grande maioria das terapias “milagrosas” ou “inovadoras”, após testes clínicos com qualidade metodológica adequada (comparativos, multicêntricos, randomizados, etc), não demonstraram resultados favoráveis à droga testada. Infelizmente, temos exemplos de medicamentos que passaram por todas as fases da pesquisa clínica, receberam aprovação para comercialização e depois tiveram que ser retirados das farmácias/ clínicas ou hospitais porque as toxicidades superaram os benefícios em estudos de longo prazo. Meu papel como médico é encaminhar o paciente a tratamentos com embasamentos científicos, ou seja, aqueles que têm validação técnica, resultados de eficácia comprovados com o mínimo possível de efeitos colaterais.

Comentarios fechados.